Jayme Grabois, Nilton Campos, Édouard Claparède e Waclaw Radecki na Colônia de Psicopatas no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, no final da década de 1920. Acervo do autor. |
Centofanti, R. (2019). Waclaw Radecki no Brasil de 1923. [Blog] Cogitare
et sentire. Recuperado de https://nadamaisdoqueideias.blogspot.com/2019/03/waclaw-radecki-no-brasil-de-1923.html
[Acesso em 9 Jan. 2020].
Waclaw Radecki
foi um psicólogo polonês que se fez marcar na História da Psicologia no Brasil
no período de 1924 a 1932, quando atuou como diretor no Laboratório de
Psicologia na Colônia de Psicopatas no Engenho de Dentro, e como criador e
também diretor no Instituto de Psicologia em 1932, ambos no Rio de Janeiro. É personagem
ao qual me dedico, ainda que de forma assistemática, desde os primeiros anos da
década de 80 (Centofanti, 1982), e nele continuo interessado por dois aspectos:
1) nas lacunas biográficas a serem ainda preenchidas e 2) na Psicologia contida em
seu Tratado (Radecki, 1928/1929), e que nunca mereceu de nossos historiadores
alguma atenção. Radecki foi também, no início da década de 90, destacado por
Antonio Gomes Penna (1992) e, depois disso, tem merecido atenções de outras pessoas.
As informações disponíveis, porém, passados esses anos, continuam praticamente
as mesmas. O que sabemos de Radecki na Polônia e Europa nos chegou por fontes
da Argentina e Uruguai, países para os quais se foi depois de deixar o Brasil
em 1932. O pouco que sabemos de sua vida no Brasil em 1923 foi produto da
lembrança de dois de seus antigos assistentes: Nilton Campos e Jayme Grabois. Pouca
coisa e, ainda assim, fragmentada.
No decorrer do
Encontro deste ano, promovido pelo Laboratório de História e Memória de
Psicologia do Instituto de Psicologia da UERJ, muito se falou sobre as vantagens trazidas aos pesquisadores
pelo advento das hemerotecas digitais. De fato, mas no evento fiz questão de
registrar meu ponto de vista: 1) vantagem para quem verdadeiramente gosta de
pesquisa e 2) para quem sabe o que pesquisa e o que fazer com coleção de dados. Maristela Bleggi Tomasini e eu
havíamos recorrido aos noticiários da São Paulo dos anos 10 do século passado em
hemerotecas digitais, visando entender a Belle
Époque dos paulistas em que surgem laboratórios de Psicologia em algumas
escolas normais secundárias naquele Estado, esforços dos quais resultou a
publicação de um livro (Centofanti & Tomasini, 2014). Fomos, portanto,
testemunhas das vantagens dessa inovação, mas somos pesquisadores, e sabemos o
que procuramos.
Por que não, também,
procurar notícias sobre Waclaw Radecki no Brasil de 1923? Esta pesquisa sem
grandes pretensões foi realizada junto às hemerotecas digitais por meio de três
filtros: nome do pesquisado (com variações), Estado da Federação (Rio de Janeiro, São Paulo e
Paraná), e o constante ano de 1923. O resultado disso foi o encontro de muitas
informações até aquele momento desconhecidas, e a confirmação de algumas sugeridas em minha
publicação de 1982, o que traz ao pesquisador certo alívio em virtude dos acertos do passado.
Nessa medida, o título desta crônica é exatamente o seu conteúdo: assentamento
de mais tijolos na construção da biografia do psicólogo Waclaw Radecki, agora com
informações de 1923.
Pois bem: a primeira constatação na pesquisa é que a maioria das notícias daquele ano sobre Radecki vem do Paraná. Portanto, sua trajetória no Brasil tem início em Curitiba, com poucas visitas a São Paulo e ao Rio de Janeiro, para onde se mudou de forma definitiva em 1924. A segunda é que desde a chegada se afirmava como psicólogo e falava em criar uma escola brasileira de Psicologia. A terceira seria, talvez, tornar ficção a história de Euryalo Cannabrava (1933), segundo a qual, ao desembarcar no porto do Rio quando da chegada ao país, Radecki teria saído às pressas pela cidade à procura de autor brasileiro de algum livro de Psicologia. Dessa aventura tomado conhecimento de Manoel Bomfim, localizado sua residência, e com ele conversado por quatro horas: “quando abandonou a casa do maior pedagogo brasileiro, levava cartas de apresentação para o reitor da Universidade, diretores das escolas e de instituições científicas do país” (pag. 2). Tivesse as facilidades anunciadas por Cannabrava, e não iria trocar a capital por dúvidas na província. Como veremos, não foi o que aconteceu. Importante lembrar que em 1920, de acordo com dados da Sinopse do Senso Demográfico, a cidade do Rio de Janeiro tinha 1.157.873 habitantes, São Paulo 579.033 e Curitiba 49.755. Pequena, mas com vida cultural intensa.
Esse encontro com
Bomfim foi também relatado por Nilton Campos e Jayme Grabois, para Gomes Penna
e para mim, mas em outra circunstância e contexto, a saber, sua indicação para
ocupar a direção do laboratório de Psicologia na Colônia de Psicopatas, que se
deu em 1924, onde, a exemplo do que ocorreu nos laboratórios das escolas
normais secundárias de São Paulo, em 1910, aparelhos e instrumentos foram
importados, mas sem a presença de pessoas que soubessem o que com eles fazer. O
encontro desses dois homens era mais do que legítimo, pois, por informações de
Mitsuko Aparecida Makino Antunes (2001), Bomfim viajou em 1902 para Paris “com
a finalidade de desenvolver seus estudos em Psicologia, tendo frequentado o
laboratório de Psicologia anexo à Clínica Jouffroy, em Saint’Anne, e estudado
com Georges Dumas e Alfred Binet, com quem planejou a instalação do primeiro
laboratório de Psicologia brasileiro” (pag. 92), e que ocorreu em 1906. Bomfim foi
o único autor brasileiro citado por Radecki em seu Tratado.
A primeira
notícia encontrada em nossa pesquisa data de 17 de abril de 1923, e foi
publicada na capa do Commercio do Paraná: “Curitiba
hospeda o ilustre professor de Psicologia da Universidade de Varsóvia e
ex-lente das universidades de Paris e de Genebra. Dr. Radecki é também um
notável artista do violoncelo”. E segue: “Numa aristocrática reunião realizada
ontem na apreciável vivenda do Sr. Dr. Miszke, cônsul da Polônia, o eminente
musicista fez-se ouvir em quartetos de Beethoven e trios de Mozart e Arensky,
encantando com a sua técnica e expressão a seleta assistência. O quinteto
musical estava composto das seguintes pessoas: piano Senhora Consulesa D.
Miszka, 1º violino Sr. Ludovico Seyer,
2º violino Srta. Bianca Bianchi, viola Sr.
Carlos Goudard e violoncelo Dr. Waclaw Radecki”. Chegou pela porta da frente, portanto, e
como musicista. Afinal, tinha formação de violoncelista e de regente de
orquestra pelo Conservatório de Florença.
Eis, muito
provavelmente, o porquê da escolha de Curitiba: a forte presença da colônia
polonesa, inclusive com público apreciador da música erudita, o acesso às
autoridades consulares de seu país, e a residência de seu cunhado, Adolpho
Peplowski, veterinário municipal, na casa do qual se hospedou durante sua permanência
naquela cidade. Não era lugar para Psicologia, mas certamente para concertos de
câmera, e foi com a execução de violoncelo que ganhou a vida por certo período,
enquanto procurava onde exercer seu ofício de psicólogo. Não deve ter tardado a
descobrir que oportunidades à altura de suas qualificações científicas estavam
em São Paulo, e principalmente no Rio de Janeiro. Para os jornais, sua presença
no Brasil se fazia explicar pelas dificuldades de uma Europa pós-guerra, que
certamente deveria ser expressão de realidade, principalmente na Europa Oriental.
Curitiba, São
Paulo e Rio... Os deslocamentos pelo país, naqueles anos 20, eram penosos. Do
Rio de Janeiro a Curitiba o transporte de pessoas costumava ser feito por
ferrovias, e necessariamente passando por São Paulo. Do Rio de Janeiro à
estação Brás, em São Paulo, pelos trens da Estrada de Ferro Central do Brasil, que
partia da estação popularmente chamada de Central, e apenas em 1925 denominada de estação Dom Pedro II. Depois, de onde hoje fica a estação Julio Prestes, em São
Paulo, até a cidade de Itararé, na fronteira com o estado do Paraná, pela
Estrada de Ferro Sorocabana. De Itararé até Curitiba, via Ponta Grossa, pelos
trilhos da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina. Este último trecho era um dos
mais sinuosos do mundo, pois os construtores recebiam por quilômetro de linha
construída. Assim, de Itararé até Curitiba eram 436 km de linhas, e a viagem
durava algo em torno de 16 horas. De São Paulo ao Rio de janeiro algo em torno
de 12 horas, e de São Paulo a Itararé por volta de 12 horas. As locomotivas
eram movidas a vapor, e os carros todos fabricados em madeira. Lentos e
desconfortáveis.
São muitas as notas
sobre o Radecki musicista ao longo de 1923, e todas elogiosas. Em 8 de maio, por
exemplo, a capa do Commercio do Paraná noticia que “continua despertando grande
interesse das rodas sociais e artísticas desta capital o concerto pelo distinto
musicista Dr. Waclaw Radecki, a realizar-se proximamente no Teatro Guaíra. Pela
primeira vez nesta capital vai ser proporcionado ao público um concerto de
música de câmera, compondo-se o programa de trechos e sonatas para violoncelo,
executados pelo Prof. Radecki, trios e quartetos. Constituindo esse concerto
uma novidade artística para o nosso meio, é natural o interesse que o mesmo
está despertando, o que faz prever essa noitada de arte tenha a presidir-lhe
seleta e numerosa concorrência”.
O Radecki de Curitiba é antes artista do que
cientista. O Diário da Tarde de 10 de agosto informa em sua segunda página que
o Conservatório de Música do Paraná, “sob a direção do maestro Leo Kessler, fez
um convite ao exímio musicista Sr. Dr. Waclaw Radecki para a organização de um
curso prático de música de câmera naquele conservatório. O Dr. Radecki abrirá
também um curso especial de violoncelo”. Na capa da edição de 24 de dezembro, o
mesmo jornal informa que:
O distinto professor W.
Radecki, um filósofo e um artista, vai iniciar depois de amanhã seus concertos
de violoncelo. Ontem, no salão da Saengerbund, o distinto artista deu uma
audição de violoncelo, executando várias peças com a maior habilidade,
demonstrando seus excelentes dotes artísticos e pleno domínio do instrumento
que raramente aparece em um solo. O professor Radecki sabe dar vida ao
violoncelo, fazendo dele um instrumento dócil em suas mãos. O seu primeiro
concerto se realizará no dia 26 [de dezembro] e o segundo no dia 28, no salão
da Saengerbund, estando para isso organizado um caprichoso programa.
O Deutscher Saengerbund
foi um ícone da cultura alemã em Curitiba, e hoje é conhecido como Sede
Concórdia do Clube Curitibano. Surgiu da união dos clubes Germânia e Concórdia.
A maior parte das apresentações de Radecki se deu no Teatro Guaíra, ainda hoje
existente, apesar de profundas mudanças pelas quais passou ao longo do tempo.
Com esse nome reinaugurou em 1900 o Theatro São Theodoro, edificado em 1884,
quando suas atividades são suspensas e as dependências – incluindo plateia,
camarotes e galerias – transformadas em presídio pelas forças legalistas, por
conta da Revolução Federalista de 1894. Em 1939 o Theatro Guayra é demolido, e
a reconstrução iniciada em 1952. Grandioso, à época de Radecki.
Notícias sobre o
musicista são comuns na imprensa paranaense de 1923. E foi assim até 27 de
fevereiro de 1924, quando anunciado na capa do Commercio do Paraná que “a população culta de nossa capital [Curitiba]
encontra-se jubilosa por ser justamente hoje que se realiza no Teatro Guaíra o
grande concerto em homenagem ao admirável e virtuoso do violoncelo prof. W.
Radecki. O Professor Radecki que em breve se retirará desta capital com destino
ao Rio de Janeiro, já realizou entre nós dois concertos que ficaram memoráveis,
patenteando assim o profundo conhecimento do violoncelo, do qual tira os
maiores efeitos e modulações”. Dali para o laboratório de Psicologia que o
tornou célebre.
Sua passagem pela
Psicologia esteve mais circunstanciada por palestras e cursos breves, notadamente na
Universidade do Paraná, entidade privada fundada em 1912, que oferecia os
seguintes cursos: Ciências Jurídicas e Sociais, Engenharia, Medicina e
Cirurgia, Comércio, Odontologia, Farmácia e Obstetrícia. Como depois da guerra
de 1914 o governo federal proibiu a existência de universidades particulares,
os idealizadores desmembraram a instituição em faculdades autônomas. Era assim
em 1923.
A edição do Diário da
Tarde de 18 de abril, em sua quarta página, traz a primeira notícia que
encontramos:
O
edifício das Faculdades Superiores de Ensino foi ontem visitado pelo eminente Dr.
W. Radecki, professor de psicologia da Universidade de Genebra, Diretor do
laboratório de psicologia da clínica psiquiátrica da Universidade de Cracóvia.
O ilustrado visitante, acompanhado do Prof. Dr. Kossobudzki foi recebido pelo
Dr. Victor do Amaral, que o acompanhou em todos os departamentos do edifício
universitário. O Prof. Dr. Radecki exarou no livro de visitantes impressões que
teve de nosso superior estabelecimento de ensino, e acedendo ao convite do Dr.
Victor do Amaral, comprometendo-se a fazer uma conferência sobre os altos
estudos de que é emérito mestre.
Como Radecki, Simon
Kossobudzki era polonês, médico e militante nas lutas nacionalistas de seu
país. Era um dos fundadores da Universidade do Paraná e nela professor na
Faculdade de Medicina. Victor do Amaral, na verdade Victor Ferreira do Amaral e
Silva, também era médico, igualmente fundador da Universidade do Paraná e diretor da
Faculdade de Medicina. E eis que em 26 de maio o jornal Commercio do Paraná
divulga em sua capa que “hoje, às 16h30, o ilustre cientista professor Dr.
Waclaw Radecki fará no edifício da Universidade do Paraná uma conferência sobre
Psicologia, para a qual não há convites especiais, sendo a entrada franca.
Exultará de prazer com certeza nossa elite intelectual pela ocasião que se lhe
vai deparar de ouvir hoje a palavra erudita do conferencista”. Parte da apresentação de Victor do Amaral é
apresentada na edição do mesmo jornal do dia seguinte:
Cabe-me
a incumbência de apresentar ao ilustre auditório o distinto orador que vai
abrilhantar a tribuna com a sua palavra erudita. É o Dr. Waclaw Radecki,
professor de Psicologia da Universidade de Genebra, diretor do Laboratório de
Psicologia da Universidade de Cracóvia, diretor da Faculdade de Psicologia e do
Laboratório da Psicologia da Universidade de Varsóvia. E eu faço a sua
apresentação com todo prazer, convencido como estou que o professor W. Radecki,
que as contingências da grande guerra europeia fizeram aportar às nossas
hospitaleiras plagas, possui títulos de sobra para recomendá-lo aos centros
culturais de nosso país. O estudo da Psicologia que outrora, que como parte
integrante da filosofia estava incluído nos programas oficiais de nossos cursos
de humanidades, parece que foi atualmente em nosso país relegado para plano
secundário, não obstante a sua transcendental relevância. Por isso o assunto
das conferências que vai o professor Radecki realizar hoje, e segunda e
quarta-feira da próxima semana, é digno de ser ouvido com maior atenção, na
certeza que tenho de que o ilustre orador o explanará com toda a proficiência,
lamentando apenas que não o possa fazer na língua portuguesa, embora convencido
que mesmo em francês seu verbo será entendido por este seleto auditório.
Não se sabe sobre o que versou a
conferência, mas possivelmente sobre a situação da Psicologia Contemporânea.
Radecki deve ter falado sobre objeto e método da Psicologia com base em sua
formação, isto é, com alicerces no determinismo e naturalismo. Estudou
Psicologia em Faculdade de Ciências Naturais, e não de Filosofia. Não
sem razão, portanto, tinha mais familiaridade com médicos do que, por exemplo,
com educadores, embora tenha sempre se desentendido com espíritos meramente “práticos”.
Eu próprio já havia afirmado (Centofanti, 2014-b) a consciência de Radecki de
que “a educação, a medicina e a engenharia necessitavam dos conhecimentos da
Psicologia, de modo a fazerem frente às exigências emergentes daquele tempo
(...). Por sua vez, eram as mesmas emergências que criavam demandas para que,
no entorno, fosse chamada à pressa e praticidade operatória” (pag. 61). Deve
ter repisado isso naquela conferência de 26 de maio. Sempre insistia na necessidade
de formação intelectual e científica antes de qualquer aplicação. No dia 28, e
no mesmo local, Radecki apresentou sua segunda conferência, desta vez sobre “la
vie affectuese, sentiments”. Ao que parece Radecki palestrava sobre as bases
afetivas, intelectuais e ativas de sua perspectiva tridimensional da Psicologia
humana. Mas fica uma dúvida: seria seu Tratado originalmente escrito em polonês, e antes de sua vinda ao Brasil?
Um curso facultativo de Psicologia
experimental, por iniciativa da Faculdade de Direito da Universidade do Paraná,
“já tendo sido escolhido para regê-lo o professor Waclaw Radecki”, surge como
notícia na segunda página do jornal A Noite, do Rio de Janeiro, em sua edição
de 17 de agosto. Curso teórico, sem dúvida, pois não havia aparelhos e
instrumentos de laboratório de Psicologia em Curitiba. Mais notícia dele, no
Paraná, foi encontrada em 31 de agosto, em Florianópolis, na capa do jornal
República:
Segundo lemos em jornais de Curitiba,
tem fixado residência naquela capital o notável professor de Psicologia Dr.
Waclaw Radecki, que iniciou na Universidade do Paraná um curso daquela ciência,
de que é um dos mais conhecidos especialistas. O Dr. Radecki é professor da
Universidade de Genebra, diretor dos laboratórios de Psicologia de Cracóvia e
Varsóvia, de onde se irradiou, por toda Europa e América, o seu prestígio
científico. É o autor de inúmeras obras, entre as quais se destacam: Psicologia
dos Sentimentos, Psicologia das Emoções, Psicologia das Associações de
Representações, Psicologia da Vontade, Psicologia do Pensamento. O seu último
trabalho escrito durante a guerra europeia, denomina-se Psicologia do Exército.
De agosto até o final de dezembro de 1923 atuou
como psicólogo no Hospício Nossa Senhora da Luz, inaugurado em 1903 e mantido
pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curityba, período em que fez
110 visitas às instalações da instituição. Tal informação foi por ele prestada em relatório
dirigido ao provedor do Hospício, bem como algumas considerações de importância
para nossa história.
O
trabalho de um psicólogo no hospício de alienados é sempre ligado à existência,
no instituto, de um laboratório psicológico. Os deveres de um psicólogo são:
investigações de características psicológicas dos doentes que ingressam,
observações da evolução mental dos internados, psicoterapia no entendimento com
o médico que contemporaneamente trata o lado orgânico. Falta do laboratório, a
necessidade de investigar na sala comum, falta do médico no hospício, embora a
melhor vontade e esforço do Diretor do Hospício, impossibilita o trabalho
preciso tanto no domínio investigativo, como terapêutico.
Nessas formas, como musicista e
psicólogo, Waclaw Radecki ganhou a vida na Curitiba de 1923. Difícil imaginar
qual seria o entendimento das pessoas, mesmo das mais esclarecidas, sobre o que
seria um psicólogo. Por outro lado, talvez o ineditismo lhe facilitasse a
difusão, ainda mais em época que os veículos de comunicação eram poucos, assim
como seus públicos leitores. Jornais, à época, anunciavam até mesmo a lista de
passageiros que chegariam no trem noturno ou desembarcariam do próximo vapor a
atracar no cais. Afinal, mesmo com desencontros de suas credenciais
curriculares, a imprensa tendia a valorizar suas qualificações. Fato é, porém,
que se fazia conhecer além de seus limites próximos. Paralelamente a isso, o
universo de intelectuais e cientistas deveria ser diminuto, fazendo com que
pelo menos informações sobre eles circulassem com facilidade nesse mundo
restrito a poucos.
Sob o título “O Rio hospeda um notável
professor de Psicologia”, o Jornal A Rua, em capa da edição de 5 de julho, traz
a primeira informação que sobre ele encontramos na imprensa carioca:
Entre as notabilidades estrangeiras que
têm visitado o Brasil, figura o Dr. Waclaw Radecki, diretor do laboratório de
Psicologia e da Faculdade de Psicologia da Universidade de Varsóvia. O ilustre
professor, que é um dos mais conhecidos especialistas na Europa, iniciou a sua
carreira científica como livre docente em Genebra, e foi posteriormente diretor
do laboratório de Psicologia da Clínica Psiquiátrica de Varsóvia, onde goza de
grande prestígio científico. O Dr. Radecki é autor de numerosas obras, entre as
quais se destacam: “Psicologia dos Sentimentos”, “Psicologia das Emoções”,
“Psicologia das associações de representação”, “Psicologia da Vontade” e
“Psicologia do Pensamento”. Dos seus trabalhos esparsos em revistas
especializadas, mencionaremos os seguintes: “Fenômenos Psicoelétricos”,
“Contribuição e aplicação à medicina das experiências de associação”,
“Contribuição à análise dos desejos”, “Indicação para a observação psicológica
na criança”, “Criação musical na Polônia”, etc. O professor Radecki, que é
polaco de nascimento, tomou parte na guerra, sendo encarregado pelo
quartel-general de fazer observações psicológicas no exército. Concluída a sua
missão escreveu um longo e detalhado relatório sobre os seus trabalhos,
intitulando-os “Psicologia no Exército”. A sua escola conta um grande número de
discípulos que se tem distinguido com trabalhos, em que se propagam e defendem
as ideias do mestre. O professor Radecki, antes de vir ao Rio, onde visitou os
principais institutos científicos, realizou duas conferências patrocinadas
pelas sociedades de educação e de medicina [de São Paulo]. Aqui, o ilustre
professor fará igualmente duas conferências, que serão patrocinadas pelos Drs.
Juliano Moreira, Manoel Bomfim, Maurício de Medeiros, Henrique Roxo e outros. A
primeira a realizar-se-á segunda-feira, na Sociedade de Neurologia, e desde já
vem despertando grande interesse nos meios científicos.
A saber, qual seria sua “escola” e o
“grande número de discípulos”. Teria ele falado ao repórter do
Discriminacionismo Afetivo, tal o nome com o qual batizou o que chamava de seu
sistema? É possível, pois insistia nesse sistema e com esse nome. Aliás,
desgastou-se em virtude dessa insistência, em especial pelos que desejavam desqualificá-lo
por diferentes razões, mesmo sem a menor capacidade de entender o que poderia
ser o tal discriminacionismo afetivo. De qualquer modo, nunca houve o grande
número de discípulos. Aliás, no Brasil nenhum, nem mesmo dentre seus
assistentes.
Vamos nos deter um pouco nesse tema,
mesmo porque mereceu de minha parte uma despretensiosa publicação (Centofanti,
2003). Pelo prisma do indivíduo, Radecki defendia que o fim último da
Psicologia era o da análise do caráter, o do estabelecimento de uma
caracterologia, portanto. Como, porém, em virtude da variabilidade humana, estabelecer
parâmetros, ainda mais em meio às diferentes classificações de diferentes
autores? Diante das muitas variantes funcionais, como escolher as mais
significativas? Memória, pensamento, afetividade, e a partir de quais – para
estabelecer correlação funcional – hierarquizar as demais funções. Ribot
privilegiava o sentir e o agir, Kant o modo individual de pensar, e Radecki a
discriminação e a afetividade, de onde o discriminacionismo afetivo. Uma
decisão de caráter lógico e metodológico, portanto. No plano maior, e lembrando
que na Psicologia de Radecki o homem pensa, sente e age, e que o pensar e o
sentir se manifestam nas ações, como não hierarquizar psicologicamente os
indivíduos, senão pelas qualidades intelectuais (discriminação) e sentimentais
(afetivas) imbricadas em suas ações? Nessa perspectiva, discriminacionismo
afetivo se torna uma concepção, um sistema psicológico. A “discriminação
colorida afetivamente”, no dizer jocoso de Cannabrava (1933), o metafísico, não
é desprovida de possibilidade. Mais
passível de investigação empírica do que, por exemplo, o inconsciente da
Psicanálise.
Em 11 de julho proferiu conferência às
20 horas na Escola Politécnica sobre fenômenos psicoelétricos, e em 12 de
julho, segundo a página 6 do Jornal do Commercio, apresentou-se na Sociedade
Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal, no anfiteatro do
Hospital Nacional, em sessão presidida por Juliano Moreira, que ao apresentar
Radecki diz “que representa a venerável Universidade de Cracóvia, que pelo
pergaminho de fundação traz a data de 1.384, por outorga de Casemiro III, o
Grande. É o Dr. Waclaw Radecki, conhecido de nossos especialistas, sobretudo
pela sua magnífica monografia sobre fenômenos psicoelétricos, feita no
laboratório do egrégio psicólogo (suíço, o professor Claparède, de Genebra). A
bibliografia de seus trabalhos publicados em sua língua materna é muito extensa”.
Na conferência do dia 11, na Escola
Politécnica, diz O Brasil de 13 de junho, na página 3, que o evento foi
promovido pela Academia Brasileira de Ciências. Em brilhante exposição, diz a
reportagem, “o ilustre professor tratou dos fenômenos que os excitantes
psíquicos produzem no corpo, demonstrando-os praticamente pelas modificações de
uma corrente elétrica atravessando o indivíduo, tendo-se prestado a essas
experiências diversas pessoas presentes. Tratou-se do assunto do aspecto
físico, fisiológico e psicológico”. Talvez seja oportuno lembrar que Radecki
definia a Psicologia como ciência da subjetividade. Portanto, nada nele do organicismo
comum naquela época.
As passagens de Radecki por São Paulo
não têm o glamour da participação de personagens tão destacados como em
Curitiba e Rio de Janeiro, mas têm Psicologia. Há uma explicação: o médico e
pedagogista italiano Ugo Pizzoli, que em seu país fazia sucesso – como
Claparède em Genebra – com cursos de difusão do que se resolveu chamar de
Pedagogia Científica, permaneceu por exatos seis meses no segundo semestre de
1914 na Escola Normal Secundária de São Paulo, formando diretores e inspetores
da instrução pública paulista nos misteres da nova pedagogia, dita moderna, então
vertida à condição de ciência empírica, pela introdução de princípios de
Psicologia, Sociologia, Antropologia, Anatomia, Fisiologia e de quaisquer outros
que gozassem do status de ciência. A formação do pedagogo tem sido essa até os
dias atuais.
Esse movimento da Pedagogia Científica
visava inserir os professores, retardatários na grande onda da cientificidade
que mudou o eixo de valor do conhecimento a partir do final do século XIX, no
chamado mundo moderno. A grande razão, talvez, o fato de a eles estar confiada
uma geração que deveria, pela escola, promover de fato a modernidade.
Necessário lembrar que o chamado mundo moderno se fazia, na instrução, pelo
rompimento com a igreja, no Brasil a Católica Apostólica Romana, que por
séculos manteve o monopólio do ensino. Talvez não seja exagero, portanto, dizer
que a Pedagogia Científica era uma reforma republicana, e de caráter quase
global. Nessa medida, a educação como “sacerdócio” deveria ser tornada científica.
Dizia-se que instruir era atividade de imenso valor, inclusive para os
objetivos nacionais, para que ficasse aos cuidados dos simplórios e ignorantes
professores.
Nessa doutrinação rumo à cientificidade,
a Psicologia ocupou lugar de destaque e, em virtude da influência italiana, em
São Paulo também a Antropologia. Praticou-se uma psico-antropologia, digamos
assim, e isso se deu antes mesmo da chegada do italiano Ugo Pizzoli. É uma
história ainda com lacunas e um tanto extravagante. De qualquer forma, a Psicologia tinha em São Paulo uma representação social.
Certamente inspirados em algum modelo
dos Estados Unidos, os reformadores da instrução pública de São Paulo
resolveram, para o ensino psico-antropológico dos professores, e para exame das
crianças, dotar a escola normal secundária da capital, assim como as normais
secundárias de algumas cidades do interior, de aparelhos e instrumentos de
laboratórios de Psicologia, e isso em 1910. Dois fatos, porém, são curiosos: ao
menos parte dessa aparelhagem foi importada da Itália, e levava a marca Ugo
Pizzoli, e confiada à direção de um professor primário igualmente italiano, no
início de 1910, chamado Clemente Quaglio, que até o final do primeiro semestre
de 1909 lecionava em grupo escolar na cidade de Amparo, no interior paulista, e
também onde ministrava aulas particulares de inglês.
Bem, estou me alongando nessa história
que foge ao objetivo desta publicação. Interessados encontrarão detalhes no
livro que publiquei com Maristela Bleggi Tomasini, em 2014. Antes disso em artigo
sobre Ugo Pizzoli, em 2002, e outro sobre a introdução da psicometria junto ao
professorado paulista, em 2006. De qualquer forma, a Psicologia se fez difundir
pela imprensa em meados da década de 1910, se tornando conhecida por parte da
sociedade letrada de São Paulo, e dos próprios jornalistas, que souberam melhor
aproveitar a passagem de Radecki pela capital, em 1923.
Momento de esclarecer algo importante. O
fato de Radecki ter sido assistente de Claparède e o de este aparecer associado
à Psicologia da Criança e Pedagogia Científica leva os mais desavisados a
imaginarem que o psicólogo polonês tivesse os mesmos interesses. Não tinha. Em
comum com Édouard Claparède, o célebre neurologista e psicólogo suíço, uma
psicologia dimensionada a partir de funções psíquicas, e não de estruturas
psíquicas. Iguais na perspectiva do funcionalismo, portanto. Radecki estava
voltado para a Psicologia Geral, e a partir dela e como desdobramento para fins
de aplicação a Psicologia Individual, que como bem esclarece em seu Tratado, cuja
“noção básica é a de caráter” (p. 358). Pretendia formar psicólogos e se opunha
a qualquer aplicação sem as correlatas qualificações teóricas em Psicologia
Geral. Caminhava, portanto, na direção inversa do que pretendia a chamada
Pedagogia Científica, que era meramente instrumentalizar professores para o
exercício da mensuração e classificação. Claparède, inclusive, fazia parte dos
que compartilhavam dessa convicção.
Em 21 de junho, A Gazeta e o Correio
Paulistano divulgam uma mesma notícia:
Encontra-se nesta capital o eminente
professor Dr. Waclaw Radecki, diretor da Faculdade de Psicologia de Varsóvia. O
ilustre visitante, que com grande interesse tem procurado conhecer o nosso meio
científico, aproveitará a sua permanência aqui para realizar duas conferências.
A primeira dar-se-á hoje, as 20 e meia horas, e versará sobre os Métodos na
Psicologia Contemporânea. A conferência será feita na Sociedade de Educação, no
salão do Jardim da Infância. A entrada é franca
Ah, ele havia se introduzido na
Sociedade de Educação de São Paulo, a mesma sensibilizada com a psicologização
a que foram expostos os professores nos primeiros anos da década de 10. Métodos
na Psicologia Contemporânea deveriam ser tema inovador para a maior parte dos
participantes, pois viam Psicologia pelo ângulo analítico e prático adotado por
Ugo Pizzoli em sua interpretação psico-antropológica do que, certamente, não
representava o que do melhor se fazia na Itália. Pizzoli era um divulgador, um propagandista
da tal Pedagogia Científica. Muito criativo na idealização de aparelhos e
instrumentos, mas distante de se fazer notar pelas habilidades com construção
teórica e conceitual. Nessa medida, Radecki deveria parecer estranho. O Correio
Paulistano de 22 de junho anuncia para o dia 23, na Sociedade de Medicina e
Cirurgia, uma conferência de Radecki sobre Os Métodos Psicanalíticos em
Psicologia, “com demonstrações”. Havia também se introduzido entre os médicos. O
jornal O Estado de São Paulo de 27 de junho divulga em sua página 4 que “atendendo ao convite do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, o Sr. Waclaw
Radecki, professor de Psicologia da Universidade de Varsóvia, fará hoje, às 20
horas, à Rua Brigadeiro Tobias 45, uma conferência sobre o tema A vida Afetiva.
Os professores e alunos da Faculdade de Medicina e todas as pessoas que se
interessam pelo assunto são convidadas para a referida conferência”.
Em 22 de junho, de acordo com notícia da
segunda página do jornal Correio Paulistano, visitou a Faculdade de Pedologia
da capital, em companhia de seu diretor, Clemente Quaglio, que fez uma
exposição dos trabalhos de Psicologia Experimental aplicada à Educação nos
últimos anos em São Paulo, e presenteou Radecki com exemplares de algumas
publicações. Diz a reportagem que o psicólogo examinou “com vivo interesse
todos os instrumentos, aparelhos e mental
tests dessa escola de cultura científico-pedagógica”. Mental tests com certeza, pois Quaglio andava às voltas com aplicação
dos testes Binet-Simon tão logo publicados na França. Quanto aos
aparelhos e instrumentos, é mais provável que fossem do laboratório da Escola
Normal de São Paulo, do qual Quaglio foi diretor de 1910 até 1925, quando
substituído por Lourenço Filho, que aposentou o laboratório de forma definitiva,
por volta de 1930, depois de recepcionar o psicólogo francês Henri Piéron em
1927, e que também dele fez uso para demonstrações em suas palestras. Lourenço
Filho introduziu os testes: práticos, baratos, e não exigiam nenhum preparo.
Representavam uma Psicologia prêt-à-porter.
De qualquer modo, os aparelhos e instrumentos estavam na escola normal em 1923,
embora servissem como peças de museu para apreciação de visitantes. De pouco ou
nada serviram desde que Pizzoli regressou à Itália no final de 1914.
De modo pouco usual na imprensa, a
passagem de Radecki por essas instituições paulistanas foi acompanhada e
registrada em 30 de junho por Alberto Conti (1923), lente da Escola Normal de
Casa Branca, no interior paulista, e que fora uma das normais secundárias que
havia sido provida de aparelhos e instrumentos de laboratório de Psicologia.
As primeiras linhas são reveladoras:
“São Paulo tem a honra de hospedar, por estes
dias, uma personagem de invulgar distinção no mundo da ciência, uma personagem
como poucas têm aportado, não direi a São Paulo, mas ao Brasil. Trata-se do
prof. Dr. Waclaw Radecki, psicólogo eminente que procura instalar-se em nosso
país, pretendendo aqui um curso de psicologia teórica e aplicada, com ramos
especiais para a Pedagogia, a Psiquiatria, o Direito, etc., e um laboratório de
Psicologia Experimental, dotado de material e aparelhos modernos, seguindo os
mais modernos métodos da investigação científica no campo da Psicologia e das
ciências correlatas”.
Mas era exatamente isso que Radecki
pretendia, e exatamente o que fez entre 1924 e 1932.
Eis o que promoveu durante sua passagem pela
capital dos paulistas:
O ilustre professor realizou nesta
capital, a pedido, três conferências com os títulos que seguem: 1. Objeto e
método da Psicologia contemporânea; 2. Métodos psicanalíticos em Psicologia; 3.
Vida Afetiva. Na primeira, realizada no Jardim, da Infância, anexo à Escola
Normal, promovida pela Sociedade de Educação, sob a presidência do Dr. Renato
Jardim, diretor da Escola Normal, dissertou o Dr. Radecki (nem mais se poderia
fazer em uma hora) sobre todo o conjunto dos fatos psíquicos, discutindo as
definições de Psicologia... (...) A segunda conferência, com o título “Métodos
Psicanalíticos em Psicologia”, foi realizada na Sociedade de Medicina e
Cirurgia, sob a presidência do professor Dr. Pinheiro Cintra. Para o local da
conferência foram transportados do laboratório de fisiologia da Faculdade de
Medicina, os aparelhos que se destinavam à demonstração prática de algumas
teorias do grande psicólogo, cedidos pelo professor Dr. Cantídio de Moura
Campos. (...) A terceira conferência teve lugar na sede do Centro Acadêmico
Oswaldo Cruz, promovida pelo presidente do Centro, o Sr. José Ignácio Lobo,
ocupando a presidência da sessão o Sr. prof. Dr. Lindenberg, diretor da
Faculdade de Medicina. Nessa noite o prof. Radecki desenvolve mais
profundamente as ideias acima anunciadas sobre a Vida Afetiva. Ele analisa, em
primeiro lugar, os caracteres distintivos entre a vida afetiva e a vida
intelectual, caracterizando mais acentuadamente os elementos afetivos...
Também interessante, nas informações do lente de Casa Branca, os
registros dos pontos explorados pelo psicólogo polonês em suas preleções, e que
certamente despertaram a sua atenção. Tratava-se da psicologia como ciência dos
fenômenos subjetivos, ou seja: tendo a subjetividade como caráter permanente, o
que tornaria o processo psíquico inconfundível. Assim, antes de qualquer
indagação psicológica experimental seria mister bem delimitar os domínios dos
fenômenos. Para tanto, Radecki distinguiu dois métodos de investigação; a
observação e a experimentação. A observação compreendendo a introspecção e a extrospecção,
bem como inúmeros outros pontos abordados. Revelador, entretanto, Conti, na
passagem citada, haver registrado que “todas as teorias do professor
Radecki apresentam sempre um liame, uma conexão estrita e harmônica, tendendo
todas a um fim comum, o que dá a seu sistema um caráter de unidade”. Sim, isso
tudo era Radecki, inclusive na ideia de desenvolver um sistema que incorporasse
e nele se diluíssem os demais. Os conceitos empregados em suas palestras estão
em seu Tratado, o que alimenta a hipótese de que tenha chegado ao Brasil com
sua Psicologia acabada.
Viu-se frustrado o lente de Casa Branca
ao dizer que “como paulista lamentaríamos sinceramente que o nosso Estado
sempre na vanguarda das demais unidades da Federação, não retivesse aqui esse
notável cientista que, dentro de breve tempo, poderia apresentar um bom número
de discípulos preparados para a aplicação prática de Psicologia, de que
necessitam hoje as escolas normais, as faculdades de medicina, de Direito e
outras instituições”. Foi acontecer no Rio de Janeiro.
Com estas novas informações, fica
facilitado o caminho para quem quiser escrever uma edição comemorativa, em caráter
individual ou coletivo, ao centenário de criação do Laboratório de Psicologia
na Colônia de Psicopatas, no Engenho de Dentro, a ocorrer em 2024. Está perto.
Referências
Antunes, M. A. M; (2001) Bomfim, Manoel
José do (1858-1923) Dicionário Brasileiro da Psicologia no Brasil:
Pioneiros, Rio de Janeiro, Imago, pag. 92-94.
Cannabrava,
E. V. (1933) Waclaw Radecki.
Rio de Janeiro, O Jornal, 28 de novembro, p. 2.
Centofanti,
R. (1982) Radecki e a Psicologia no
Brasil. In Psicologia: Ciência e Profissão, Conselho Federal de Psicologia,
DF, Ano 3, nº 1, p. 2-50.
Centofanti, R.(2002) Ugo Pizzoli Estudos e Pesquisas em
Psicologia, Rio de Janeiro, Ano 2, Número 1, 1º semestre, pag. 75-93.
Centofanti,
R. (2003) O discriminacionismo
afetivo de Radecki. Memorandum, 5, pag. 94-104.
Recuperado de http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos05/centofanti01.htm.
Centofanti, R. (2006) Os laboratórios de Psicologia nas escolas normais de São Paulo: o despertar da psicometria .Psicologia da Educação, São Paulo, 22, 1º semestre, pag. 31-52.
Centofanti,
R. & Tomasini, M. B. (2014) O livro dos cem anos do laboratório de psicologia experimental da
escola normal secundária de São Paulo: 1914-2014. São Paulo, s/e, 114 p.
Centofanti,
R. (2014-b) Teoria, método e
aplicação na obra de Waclaw Radecki. In Jacó-Vilela, A.M. & Portugal,
F.T. (org.) Clio-Psyché: Instituições,
História, Psicologia. Rio de Janeiro, Outras Letras, p. 59-70.
Conti, Alberto A propósito das conferências psicológicas do
prof. Waclaw Radecki (Resumo e Reflexões) São Paulo, Correio Paulistano, 30 de
junho, pag. 5-6.
Penna, A, G. (1992) História da Psicologia no
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Imago Ed. 158 p.
Radecki, W. (1928/29) Tratado de Psicologia. Rio
de Janeiro, Imprensa Militar, 447 p.
Nota de
esclarecimento
O Tratado de
Psicologia de Radecki está aqui registrado com duas datas - 1928 e 1929 – por
resultar da encadernação de 17 fascículos denominados Resumo do Curso de
Psicologia, sendo os quatro primeiros publicados em 1928, e os restantes em
1929. São todos da Escola de Aplicação do Serviço de Saúde do Exército e
publicados pela Imprensa Militar do Rio de Janeiro.
Rogério Centofanti
São Paulo, 15 de março
de 2019