Vão entrar na sua mente mesmo que você evite
A grande estratégia do mal é você achar que ele não existe
A grande estratégia do mal é você achar que ele não existe
Teoria da Conspiração – MC Funkero
Teoria do complô me interessa na condição de capítulo de Psicologia Política, por mim entendida como o estudo do comportamento político, isto é, o estudo de pensamentos, sentimentos e ações de natureza política, e neste caso no comportamento político do indivíduo envolvido com teoria conspiratória. Não me agrada a definição corrente de Psicologia Política como atividade interdisciplinar. No caso da teoria do complô, entendo que aos psicólogos está dada a tarefa de análise da mentalidade de quem se envolve em produção ou consumo desse tipo de teoria. Para dizer de outra maneira, interessa o que passa pelos pensamentos e sentimentos dos adeptos do conspiracionismo.
Um bom retrato da
mentalidade complotista me parece o de Michel Carlier:
A História não é mais o campo de atrito de forças antagônicas. Existe, ao
contrário, uma ordem natural, e sua perturbação é o resultado de um complô
metódico conduzido por forças ocultas guiadas por uma consciência demoníaca. O
maestro clandestino pode ter muitas faces, que dão lugar a mitos que se
entrecruzam através de obsessões individuais. Segundo as necessidades da causa,
o demônio será judeu, franco-maçom, capitalista, sinarquista, aristocrata, papista
ou jesuíta.
A
teoria do complô se sustenta, portanto, sobre a ideia que o equilíbrio das
relações políticas, econômicas e sociais está o tempo todo sendo ameaçado pelas
ações de forças ocultas que metodicamente desestabilizam a ordem natural das
relações, isto é, desestabilizam um sistema ordenado que por meio de leis
naturais ou sobrenaturais mantém estável o convívio entre pessoas e povos. Trata-se
de pensar o corpo social como analogia ao corpo biológico, isto é, sadio enquanto
algum distúrbio não prejudica o equilíbrio de sua ordem funcional.
Esse
arranjo conceitual certamente não passa pela consciência da maioria dos
conspiracionistas, embora um mesmo pressuposto esteja invariavelmente presente
em todos eles: a esperança com base na crença que o mundo será melhor se as
forças que geram tensão forem eliminadas, assim como as doenças de um organismo.
De parte dos coletivistas pela eliminação da diferença entre classes sociais,
de parte dos individualistas pela eliminação da interferência do Estado nas
relações econômicas, da parte de religiosos pela eliminação dos ímpios e
infiéis, e assim sucessivamente, sempre de acordo com as “necessidades da
causa”, de que fala Carlier, lembrando que não são as mesmas. Inconscientemente
eles pretendem o fim da história pela erradicação dos antagonismos.
A
notar em jogo a presença de crenças ou de conjunto de crenças. O
conspiracionista acredita na existência de forças ocultas que manipulam a vida
política, econômica e social, enquanto o religioso na existência de forças
malignas que conspiram contra a vontade divina. Crenças.
Isso,
porém, não reduz a influência que elas, crenças, exercem sobre pessoas e
sociedades, pois opiniões formam-se sobre crenças, e como delas deriva a
concepção da vida, “o nosso modo de proceder e, por conseguinte, a maior parte
dos acontecimentos da história”. Como desdizer essa afirmação de Gustave Le Bon,
já em 1911, quando do surgimento das sociedades de massa? A crença, dirá Le
Bon, “se me afigura ser, na realidade, o principal fator da história”. Hoje, um
século depois, é ainda mais, pois é pelo embate de crenças que se a divide a
chamada opinião pública, em tempo que opiniões pesam como se tivessem
equivalência com conhecimentos. Já em 1911 dizia Le Bon que “as únicas
verdadeiras revoluções são as que despertam as crenças fundamentais de um povo”.
De fato!
Também
no caso do conspiracionismo, opiniões e crenças ganham caráter de ideologia,
compreendida como filtro de realidade. Afinal, dirá Alain de Benoist, “para a
espécie humana, os fatos brutos são por si mesmos desprovidos de sentido”. Nessa
medida, e sendo o homem um animal hermenêutico, o que faz o conspiracionista, a
exemplo de qualquer outro crente, é apenas manifestar a “necessidade de
interpretar os fatos em função de uma trama que possa lhe dar sentido”. É,
portanto, a partir do non sense que
se coloca diante de seus olhos que o conspiracionista irá literalmente
interpretar o que concebe como caos na condição de produto intencionalmente
orquestrado por alguma força oculta, e criar a trama que possa lhe emprestar
algum sentido, alguma racionalidade, e nela apontar para o elemento
desagregador da ordem natural: judeu, franco-maçom, capitalista, sinarquista,
aristocrata, papista, jesuíta, etc. Uma versão correlata aos puristas na busca
das bruxas diabólicas de Salém. Aliás, é nítido um quantum de purismo e de moralismo nas motivações conspiracionistas,
e que tanto os aproxima dos religiosos. Também neste caso, no dizer genérico de
Benoist sobre ideologia, “ela é útil e onipresente”. Como a racionalização do non sense não afeta a permanência desse
mesmo non sense, fica dada a
realimentação, no conspiracionista, da utilidade do mesmo aparato mental,
inclusive no apontar do mesmo elemento desagregador na condição de corpo
estranho, de doença. Trata-se de uma cobra que morde a própria cauda. Instigante, no caso do conspiracionista, é que
ele inicia e mantém suas crenças justamente por duvidar das crenças e das
opiniões com as quais os outros se conformam. Tem todo o tempo a sensação – em
muitos casos a mais plena certeza – de estar sendo enganado, iludido, passado
para trás, de onde, na maioria das vezes, a presença de suas obsessões pessoais
no apontamento desta ou daquela força manipuladora. Judeus têm sido os mais
cotados, mas é necessário lembrar que os mais antigos, e ainda presentes. Com a
proletarização da Maçonaria foi-se a crença de que tenha algum poder
excepcional, de onde a relação entre o fator secreto ou muito discreto de grupo
ou seita e a correspondência de poder no imaginário do conspiracionista, na
maior parte das vezes muito fértil. A força conspiradora tem por característica
o agrupamento de pessoas que se segregam das demais. Grupos dos quais ele não
pode fazer parte por desejo próprio, e que não têm a porta aberta para visitação
fácil como se fossem museu. É muito mais o desconhecimento e o distanciamento
dos comuns que faz desses grupos objeto de especulação, fantasia e até mesmo
ódio de conspiracionistas, do que qualquer outra coisa. A rigor nada sabem
desses grupos exceto o que ouvem, do que eventualmente leem, mas o suficiente
para torná-los alvo de profundos sentimentos hostis. Bem, essa é a matriz de
qualquer preconceito.
Se o
saber da ciência é igualmente uma crença na possibilidade de melhor caminho ao
conhecimento pela metodização com o qual é constituído, o que dizer do saber da
crença, tomado desde o início como um conhecimento com status de certeza? O
conspiracionista não sabe, no sentido do saber científico, mas tem convicção na
certeza de suas crenças. Nesse sentido torna-se igual aos religiosos na
construção e condução de pensamentos, sentimentos e ações com base em suas
crenças, e por consequência no sustento de suas opiniões. No dizer de Le Bon “só
o nome da convicção se transforma: a fé muda de objeto, mas nunca morre”.
O
adepto da teoria do complô poderá mudar o nome de sua convicção, do objeto de
seu ódio, mas não a convicção e a fé de que dele depende a vigilância sobre as
forças do mal que conspiram contra a harmonia nas relações entre os
homens. O adepto da teoria do complô
imagina-se como soldado do bem na luta contra o mal. É um vingador, de certa
forma um herói, um caçador de demônios, exatamente como um religioso, de onde a
mesma origem e forma de constituição de crenças. Iguais no maniqueísmo, iguais no
desconforto diante da dúvida e incapazes de conviver com antagonismos. A dúvida
é inimiga da fé, motivo de ser por eles afastada a qualquer custo, e o
antagonismo produto da ação presente de forças do mal, motivo de ser denunciado
e combatido. Também são iguais no mesmo hiper determinismo presente em todas as
suas percepções. Para conspiracionista e religiosos não conta o acaso, o
imponderável. Tudo, absolutamente tudo tem causa. Afinal, se para o religioso
nenhuma folha se move a não ser pela vontade de um deus, esse ente é senhor e
razão maior de todos os acontecimentos. Nessa medida, e eis esse deus presente
e visível o tempo todo, até pelo simples estar ai da natureza, assim como o demônio
em toda e qualquer disfunção. Não difere na lógica da teoria do complô. Onde há
paz e equilíbrio impera a ordem natural, e na desordem a prova da presença da
força oculta do mal. Neste caso o bem é um estado natural, e o mal a ação de
uma força maligna. Porém, como lembrado por Le Bon,
A fé em um dogma qualquer é, sem dúvida, de um modo geral, apenas uma
ilusão. Cumpre, contudo, não a desdenhar. Graças à sua mágica, o irreal
torna-se mais forte do que o real. Uma crença aceita dá a um povo uma comunhão
de pensamentos de que se originam a sua unidade e sua força.
Também
unidade e força a um grupo de pessoas, que costuma ser o caso de religiosos e
militantes políticos, dentre eles os conspiracionistas. Aliás, não apenas
comunhão de pensamentos, mas também de sentimentos e emoções.
A rigidez do determinismo que não tolera nem
mesmo a hipótese de alguma margem de acaso faz de religiosos e de conspiracionistas
irmãos no dogmatismo extremo de suas crenças tornadas dogmas, e abraçados a uma
compulsividade que beira a obsessão. O bem está em toda parte, assim como o
mal, e essa condição lhes parece tão evidente que não conseguem entender como
os demais não percebem como eles. Ainda
que um atribua ao bem e ao mal uma condição de natureza, e o outro de sobre
natureza, eis o maniqueísmo no centro do sentido da vida individual e coletiva.
Tudo, absolutamente tudo depende da vontade de forças – naturais ou não – que não
se relevam senão à percepção desenvolvida de iniciados, ou seja, deles. O pressuposto de base natural dos
conspiracionistas, entretanto, faz com que mantenham laços de identidade com os
racionalistas, de modo que formem um grupo sui
generis: têm a matriz emocional de religiosos e políticos, ao tempo
reclamam para si a matriz lógica de cientistas. Vivem, portanto, movidos por
crenças, mas em boa medida tornadas lógicas, digamos assim, por meio de
racionalizações. Afinal, o mundo apreendido pelos sentidos nada mais é do que
ilusão e, nessa medida, inalcançável pelo mero empirismo, de onde a necessidade
de dogmas que sirvam como guia para alcance da dimensão do real e da verdade,
duas instâncias que não ousam nem mesmo colocar sob alguma dúvida, ainda que
apenas metódica. São fundamentalistas da
defesa de que conhecem a realidade e a verdade.
Muito disso
está na criação da arte ficcionista, e que sempre faz sucesso pelo forte
magnetismo sobre o imaginário afetivo das pessoas. É um clichê a presença de
forças e poderes que estão distantes e acima da vida limitada da pessoa comum.
Para as mentalidades místicas, dirá Le Bon, embora me pareça verdadeiro também
para as mentalidades mágicas, “o encadeamento das coisas não oferece nenhum
regularidade: depende de seres ou de forças superiores, cujas vontades nos são
simplesmente impostas”. Esse é o mundo do conspiracionista, de certa forma
muito similar àquele do filme Matrix, pois composto por duas realidades
paralelas. Uma terrível sem encantos, e outra ilusória, onde as pessoas vivem
movidas por sensações de beleza, conforto, segurança e prazer. Essa é a lógica:
há um profundo antagonismo, mas ele é disfarçado, dissimulado pelo engano dos
sentidos, pela manipulação de forças que criam a ilusão que vivemos dentro de
uma ordem natural. Não muito diferente com o enredo do filme Homens de Preto,
onde a Terra está em parte tomada no cotidiano por seres extraterrestres, mas
visíveis apenas pelos agentes especiais do governo – os homens de preto – e que
apagam a memória de terráqueos que casualmente tomem conhecimento dos
alienígenas. A literatura de ficção está repleta de histórias similares.
Seja
como for, sempre a ideia que o mundo não é transparente, e que forças terríveis
atuam o tempo todo se opondo ao curso da ordem natural, ou criando cortinas de
fumaça que impedem que as pessoas percebam a perturbação dessa ordem. Sempre
manipulações, sempre para o mal, de modo que todos se comportem como
marionetes, na maioria das vezes pelos cordéis de opiniões e crenças comandadas
pelos conspiradores. Como diz Alain de Benoist, “a conspiração engendra os acontecimentos, mas não é afetada
por nenhum deles. Ela explica a história, mas ela própria se mantém fora da
história”. Nessa medida, os conspiracionistas escrevem uma história paralela à
história dos historiadores, exatamente como no filme Matrix ao qual já se fez
referência. Mais do que isso, constroem uma transhistoricidade. Como observa
Benoist, nas referências binárias de conspiradores e conspiracionistas, o
complô “existe em todos os tempos como em todos os lugares: a história
manipulada pelos conspiradores não é outra coisa que a realização de um projeto
elaborado fora dela”. Esse mecanismo permite a criação de mitos, e alguns deles
alimentam-se dessas lendas em torno de seus nomes. A maçonaria, por exemplo,
talvez a força conspiradora mais apontada depois dos judeus, que no dizer de
Benoist, ao atribui a si própria “origens fabulosas que remontam a construção
do Templo de Salomão, quando não a Adão e Eva, pode, indiretamente, favorecer a
ideia que o complô do qual ela seria o motor atravessou os século...”. Interessante
que mesmo na condição de conspiradora, de vilã, portanto, atrai membros movidos
pelo desejo de fazer parte de alguma coisa que tenha tradição e poder, ao menos
na imaginação dessas pessoas. Têm necessidade de importância e acreditam que
mesmo plebeus possam com isso reclamar para si um mínimo de tradição. Nessa
medida, teorias do complô atraem pessoas para ambos os lados – heróis e vilões
nessa verdadeira transhistoricidade do maniqueísmo -, alimentada por lendas bem
mais do que por fatos.
- Ah, poderá dizer o leitor, mas
complôs existem.
Claro que sim. Não, porém, na forma
imaginária de conceber o mundo enquanto um permanente manejo de cordéis sob a
orquestração intencional e sistemática de alguma poderosa força oculta, e onde
todo e qualquer acontecimento simultâneo pode ser reinterpretado em relação a
sua causalidade. Afinal, diz Besnoit, “a
teoria conspiratória é, pois, antes de tudo uma teoria antagonista,
verdadeiramente negadora do acaso e do aleatório”. Como negar que há nela
“recurso a formas patológicas, delirantes do pensamento analógico”? O complô
está para a mente conspiracionista como a doença para a mente hipocondríaca.
Torna-se uma compulsão. Afinal, tudo é complô, e às forças conspiratórias
atribuídos poderes divinos: onisciência, onipresença e onipotência. Eis o
grande demônio agindo a partir das trevas, no comando do mal, e sabido apenas
pelas mentes astutas dos conspiracionistas. Afora eles, e todos os demais vivem
no plano ilusório de uma realidade tornada virtual. Bem, se isso não for um delírio,
parece mais justo retirar esse rótulo de todas as pessoas com tal diagnóstico.
Não se sabe como isso começa,
mas certamente se sabe como pode terminar: em paranoia persecutória, um
transtorno de personalidade marcado pela desconfiança. Afinal, se a pessoa
“sabe” da existência e das ações de uma força tão poderosa, isso certamente
para ela mesma representa um imenso perigo, de onde a possibilidade de entrar
em planos de neutralização, e que vão de medidas persecutórias na vida profissional,
social e familiar até o extermínio. São muitos os casos similares na literatura
ficcional, e conhecido o destino dos que “sabem demais”. Como toda paranoia,
porém, vivenciada pelo transtornado com status de realidade. Está o tempo todo
sendo vigiado, seguido, fotografado, gravado, de onde todo cuidado com quem
mantém relacionamento, com os conteúdos de suas falas, e atenção redobrada com
tudo e com todos. Afinal, tudo esconde um significado. Até mesmo um insuspeito
“bom dia”. Por que a pessoa cumprimentou? O que ela quis dizer com “bom dia”?
Gente que se esconde. Gente que vive da desconfiança e principalmente do medo.
De qualquer forma, a
pós-modernidade é um desafio para os pós-conspiracionistas. Afinal, até os bodes expiatórios de costume,
os conspiradores clássicos, parecem perdidos neste mundo novo. Há uma nova psicologia em andamento.
Conspiradores são reacionários,
sonham com o retorno à Idade de Ouro, mas sempre tendo em vista o passado sob a
luz de seus próprios sonhos e valores.
Medrosos idealizam uma sociedade segura, moralistas uma sociedade regida
pela moral e pelos bons costumes, individualistas por uma sociedade que garanta
os direitos individuais, coletivistas por uma sociedade igualitária, e assim
sucessivamente. Não há, portanto, um consenso quanto ao modelo ideal da ordem
natural, mas nem mesmo essa evidência os demove da ideia do fim da História,
isto é, do fim dos antagonismos. Um novo
moralismo, por exemplo, tem se instituído na sociedade atual de maneira
operatória, e aparentemente sem antagonismos.
“Não há dúvida
de que a moral tradicional se perde”, afirma Robert de Herte,
mas outra a substitui. A antiga moral
prescrevia regras individuais de comportamento: a sociedade se portaria melhor
se os indivíduos que a compõem se comportassem bem. A nova moral quer moralizar
a própria sociedade sem impor regras aos indivíduos. A antiga moral dizia às
pessoas aquilo que elas deveriam fazer; a nova moral descreve aquilo que a
sociedade deve se tornar. Não são mais os indivíduos que devem se conduzir de
modo direito, mas é a sociedade que deve se tornar mais "justa". É
que antiga moral era subordinada ao bem, enquanto a nova é subordinada ao
justo. O bem realça a ética das virtudes; o justo, uma concepção de Justiça,
ela mesma colorida de uma forte impregnação moral. Mesmo quando elas pretendem
permanecer "neutras" quanto à escolha de valores, as sociedades
modernas aderem a esta nova moral. Elas são simultaneamente ultrapermissivas e
hipermorais.
Em
resumo, o indivíduo pode professar a moral que bem entender desde que com os
demais atenda a todos os preceitos da moralidade social. De fato, portanto, a
nova moral é simultaneamente ultrapermissiva e hipermoral. Também não há como
negar que o Direito vem progressivamente se rendendo a um moralismo travestido
de Justiça, e com isso a proximidade do fim de sua tecnicidade. O denuncismo
tornou-se prática legal e moral. Eis medidas que contentam moralistas e
justiceiros, como também medrosos e coletivistas, e que não parecem cerceadoras
aos olhos dos individualistas. Alguém orquestrou tudo isso? Não. São novas
interpretações de velhas práticas e que aos poucos se transformam em ideologias
que penetram no tecido social pelos agentes que de uma forma ou de outra vivem
no limite dos antagonismos: políticos, juristas, religiosos, educadores,
comunicadores, etc.
Não ocorre aos conspiracionistas
que essas mudanças velozes e radicais dependem apenas umas das outras, e não de
alguma orquestração. Afinal, na sociedade da imitação basta alguém
lançar moda, ainda que uma ideologia, para que os demais reproduzam se notar
que tem aceitação e, portanto, possibilidade de consumo. Não dá para lhes fazer crer, por
exemplo, que uma nova tecnologia pode ter aplicações que alteram realidades
antes inimagináveis.
Para tranquilidade dos medrosos,
dos moralistas e dos coletivistas, e para desespero dos individualistas e dos
transtornados de personalidade por paranoia persecutória, e eis que a Teoria
Panóptica de Jeremy Bentham torna-se aplicação neste início do século XXI. Informática
e telemática permitiram um grau nunca imaginado de vigilância e controle
social, e pode ser ainda maior apenas com tecnologias disponíveis. Câmeras por
todos os lados, monitoramento da movimentação e de hábitos de consumo de
pessoas pelo uso de seus cartões de crédito e débito, assim como pelo uso de
aplicativos de comunicação em celulares, além presença em redes sociais
digitais, etc. Tudo isso, é claro, em nome da segurança pública.
Trata-se – dirá mais uma
vez Robert de Herte -, afinal e contas, de criar um caos latente que, sem
ultrapassar certo patamar, seja suficiente para inibir qualquer tentativa de
reação coletiva. A mesma tática foi observada no passado contra as “classes
perigosas”, com o objetivo inconfessável de eliminar os desviantes, os
portadores de uma palavra discordante. Hoje, são os próprios povos que, aos
olhos da Forma-Capital e das oligarquias reinantes são globalmente
transformadas em “classe perigosa”. É aos povos que é preciso domesticar. Para
impedi-los de elaborar projetos coletivos de emancipação e de autonomia, é
bastante inspirar-lhes medo. É para isso que serve a Panóptica. “Quando não
existe o martírio físico, dizia Péguy, são as almas que não conseguem mais
respirar”.
Essas tecnologias foram criadas
para o controle social ou os agentes do controle social fizeram uso de
tecnologias disponíveis? Seguramente a segunda hipótese. Lembrando que essas tecnologias ficarão cada
vez mais baratas e disponíveis e pobres paranoicos com a conhecida mania de
perseguição. Coitados também dos medrosos. Afinal, se eles podem monitorar os
movimentos das forças capazes de ameaçá-los, também elas podem monitorá-los.
Espero ter demonstrado que é
fácil confundir embates de antagonistas com teorias conspiratórias,
principalmente considerando a existência de antagonismos entre os próprios complotistas. O conspiracionista é, na grande maioria das
vezes, um impotente diante do fracasso de suas vontades frente a forças que
fizeram valer as suas. Como de costume um absolutista inconformado, a exemplo
de milhares de outros ao longo da História, atribuindo a alguma poderosa força
sem face o motivo de sua derrota e de seu recuo, embora sem luta. Nem pensar em
confundir com terrorista uma vez que isso é outra discussão, outra psicologia,
e que nada tem a ver com esta.
São Paulo, agosto de 2016