Dentro de mim, vento forte leva o coração
Preciso te encontrar, preciso de você,
Nessa tarde de outono, preciso de você
Uma tarde de outono - Catedral
Valorização
do tempo. Não que tivesse outra coisa para fazer, mas expressão de
inconformismo diante do que ainda é resquício de dever: o de alimentar-se.
Gosto
de cozinhar, mas apenas o suficiente para o preparo - e para mim - de algo que
em nada se assemelhe a ração, como a que servimos aos gatos, cães e pássaros em
horários regulares, composta de nutrientes cuidadosamente balanceados e sob a
supervisão profissional de algum nutricionista. Não faz sentido ir para a mesa
como se fosse uma fatalidade. Às vezes penso em comprar um forno microondas.
Com
o passar do tempo reduz a intensidade dos sentidos. Reduzem os apetites todos
que se formam e se manifestam por meio dos sentidos. É um destino. O paladar, o
olfato, a visão, a audição e até o tato, mas não a percepção, o entendimento, a
cognição e a afetividade.
Continua
preservado o universo inesgotável de alguns recursos interiores, e que na
juventude foram negligenciados em virtude da primazia dos sentidos, da vida
regrada pelo sensualismo. Não brotam e nem se desenvolvem apenas pela passagem
do tempo. O tempo não agrega nada, não produz nada que não seja o desgaste de
tudo a ele exposto, incluindo os corpos. Como os demais recursos brutos ficam a
espera de quem se disponha a cultiva-los, dar-lhes forma e aprimorar conteúdos.
O
corpo envelhece. Não a pessoa.
A
vida biológica é como uma pilha, como uma bateria que aos poucos vai perdendo
energia. Até o poder regenerativo do organismo diminui, e os remédios tardam a
produzir efeitos. Isso é verdadeiro no plano da vida física, mas não
necessariamente no da vida intelectual e afetiva. A energia intelectual e
afetiva não passa pelas mesmas vicissitudes da energia física. Não que
independa do corpo, pois na mesma unidade de natureza, e tampouco paralela a
ele, mas regida por outros princípios. Uma afirmação intuitiva, pois até hoje
essas presumidas energias são desconhecidas pelos homens e mulheres das ciências.
Seja o que for, entretanto, o trabalho intelectual, como o trabalho físico,
depende da vontade, do querer, e da dedicação. É um trabalho.
Meu
primeiro contato com o próprio envelhecimento deu-se em episódio único, e pelo
corpo.
Um
ônibus estava por sair do ponto, e eu tinha certeza que havia condição de
alcançar a porta se corresse um pouco. Pois bem: o correr que parecia fácil
para a mente não se fez acompanhar das mesmas facilidades pelas pernas, pelo
corpo. Eu parecia estar correndo, mas não estava. Como as pessoas que, em
faixas para pedestres, aparentam apressar os passos antes do fechamento do
sinal, mas apenas por mímicas do apressamento, uma vez que, no ganho de
distância, a velocidade seja a mesma do caminhar lento.
Foi
horrível descobrir que eu não tinha sobre o corpo o poder que imaginava ter,
pois antes tinha, sempre tive.
Foi
mais fácil racionalizar, e concluir que essa cena lamentável iria não mais se
repetir se abandonasse a vida sedentária e passasse a exercitar os músculos.
Academia, esteira e caminhadas. Melhorou até mesmo o estado geral, não nego,
mas nada voltou ao patamar de alguns anos atrás, mesmo com todo o sedentarismo.
Afinal, não sou atleta, nunca fui e tampouco gosto de esforço físico.
Gostava
de velejar, mas atividade irregular e que ficou no passado. Disso resultou
algum conhecimento de náutica, de navegação, e a lembrança do vento com cheiro
de maresia, do barulho suave do atrito do casco ao deslizar sobre as águas, da
emoção de escalar uma vaga e da sensação aventureira quando de aproximação de uma
ilha desconhecia. Não é diferente da memória afetiva de andar de bicicleta ou
de moto. Nem por isso, entretanto, resta desejo de retorno a essas práticas.
Não são esquecidas, pois passível de resgate pela memória sempre que evocadas.
Posso
me aventurar pelos mares em um veleiro, se quiser, pois detenho os
conhecimentos, mas sei que vou fazer besteiras uma vez não mais tenho a força e
nem a rapidez de movimentos necessários para as inúmeras atividades e manobras.
Há velhos em condições? Claro que sim, e sorte deles. Ninguém, entretanto, é
exemplo para ninguém, e menos ainda de superação. Ridícula a vida regrada por
exemplos, e mais ainda quando acrescida do espírito da superação.
Nunca
precisei – e creio que ninguém -, de preparo físico para uma corridinha de dez
metros para alcançar um ônibus parado, e que não melhorou quase nada depois daquela
curta conversão aos preceitos da geração saúde. Eu não tinha mais impulsão, não
tinha energia necessária para o arranque. A pilha, a bateria não tinha carga
suficiente, e ponto final. Essa correspondência representativa afeta a vida de
muitos idosos.
Não
sou mais o que era, dizem, e com razão, pois tomam os efeitos dos músculos como
referência para dizer de perda de força, de potência, de vitalidade. Nunca dizem
o mesmo quando da força, da potência e da vitalidade da vida intelectual e da
sensibilidade, de cujos produtos resultaram as maiores revoluções do mundo, e
não dos músculos. Isso não lhes ocorre.
O
breve episódio com o ônibus foi a minha primeira tomada de consciência da
própria velhice. Resignei-me, e dai teve início a decisão de ajustamento à nova
condição. Escapar, esquivar, contornar qualquer atividade que dependesse muito do
corpo. Embora ele fosse o mesmo, não tinha mais as mesmas qualidades funcionais
do passado.
O
que eu não podia - e disso tinha e tenho plena ciência - era imaginar e aceitar
que a nova condição limitante representasse restrição correspondente em outras
dimensões da vida. Ora, poderia em qualquer fase da vida ter perdido as pernas,
braços, audição, visão e até mesmo movimentos, e nem por isso estaria condenado
a tornar-me um vegetal. O que dizer, então, com limitações sem tamanha
severidade? Idoso é isso: um limitado físico, e mesmo assim nem sempre, pois
muitos estão ainda inteiros. Que bom para eles.
O
segundo episódio tornou-se memorável. Por conta do solado gasto dos sapatos
escorreguei em uma calçada molhada e quase fui ao chão. Algumas pessoas
correram para acudir, e um jovem disse-me que era um absurdo uma calçada
escorregadia, e que o ocorrido não era devido apenas a minha idade. Eu era
visto como velho, e nunca tinha pensado nisso.
Pior
ainda nos trens do Metrô, quando jovens passaram a fazer questão que eu
ocupasse os assentos reservados preferencialmente aos velhos - hoje chamados de
idosos - e a outros portadores de necessidades especiais, como hoje chamam os
limitados. Inicialmente eu queria morrer de vergonha. Afinal, como aceitar que
uma mulher cedesse lugar para sentar-me? Uma inversão nas regras do
cavalheirismo. Depois de vários casos como esse, porém, aceitei o fato de estar
verdadeiramente velho. No plano social, é a partir do olhar dos outros que o
velho descobre a si como velho.
Eu
não mais guardava panelas e louças, e fazia tempo. Afinal, eram poucas e sempre
as mesmas, de onde ajustar os cardápios aos recursos, como foi o caso do
strogonoff. Uma panela de tamanho médio, uma frigideira larga e funda, um
prato, uma colher, uma faca e um garfo que, somados a cafeteira italiana, uma
xícara e um copo, e tudo ia, depois da lavagem, para o escorredor sobre a pia, onde
a secagem ficava confiada aos cuidados da temperatura ambiente.
-
Cada vez mais, menos.
Havia
adotado esse princípio desde que passara a morar só. De uma casa enorme para outra de tamanho
médio – dois dormitórios, sala de estar, cozinha conjugada com copa, banheiro e
área de serviço. Ainda assim percebi que era espaço em demasia, e coisas em
demasia. Dali a migração para um quarto espaçoso que serve para dormir, com
lugar para guardar roupas, livros, papéis e câmera fotográfica, e uma mesa para
acomodar computador e com sobra para ter onde apoiar um livro e escrever em
bloco de notas. Uma cozinha pequena com uma mesa mínima para fazer as refeições,
um banheiro pequeno, e uma área de serviço igualmente diminuta. Ainda assim,
acho que estaria bem servido com o dormitório espaçoso e um conjugado de
cozinha, banheiro e serviço. O suficiente para acomodar tudo, e principalmente
minhas necessidades existenciais, que em nada se assemelham a minha cada vez
mais reduzida necessidade de consumo. Afinal, não havia tanto Ego para tanto
espaço.
Mais
espaço e mais acúmulo. Mais acúmulo e mais espaço. Esta é a peregrinação da
maioria das pessoas na escalada do consumo. Bem, ao menos foi a minha. Inesquecível
o momento de decidir-me pelo enxugamento. O critério foi o da relevância
utilitária e afetiva. Momento para perceber que muitas coisas não têm nenhuma
relevância. Pior constatar que nunca tiveram. Também nunca tiveram nenhum
significado.
Para
que serve um aparelho para fatiar ovos cozidos? Descaroçador de azeitonas,
ralador de queijos elétrico, e tantas outras utilidades domésticas que nunca
tiveram utilidade. Ainda bem que nunca colecionei ferramentas. Por outro lado –
e por força de ofício – colecionei livros, muitos livros, e com eles tinha
relação identitária. No momento da revisão de um a um, descobri que a imensa
maioria não tinha nenhum valor intelectual, técnico e científico, nem mesmo na
época que foram adquiridos, mas que foram, mesmo assim, cuidadosamente
ajeitados em estantes. Restaram para a mudança apenas aqueles que fizeram época
na ciência, na filosofia e na literatura. Poucos e antigos. Não foi um momento
agradável, diante do que restou para mudar, pois ficou evidente que investi
pouco em minha própria intelectualidade.
Cada
um é cada um. Cada vida é uma biografia e, nessa condição, cada pessoa sabe o
que guardar e preservar para não perder o vínculo com sua própria história.
Fotos, cartas, discos, documentos, joias, bibelôs, roupas, e o que mais tiver
valor afetivo. Normalmente o que é único, e que não pode ser reposto. Muitas vezes cabem em uma mala, ou mesmo em uma
gaveta.
Muitos
expandem. Quanto mais velhos ficam, mais expandem. Tapetes, vasos, bibelôs,
etc. Chegam a ponto de tornar impossível a locomoção pela residência. Mais
extremados, e movidos por imensa mesquinharia de alma, acumulam inutilidades:
sacos de compras, garrafas plásticas, embalagens de leite, latas de conserva
vazias, prendedores de roupa, elásticos, etc. Outros, ainda mais superlativos,
guardam tudo em baús trancados com cadeados, e dormem com a chave presa a um colar
pendurado ao pescoço.
De
modo geral velhos não gostam de mudanças. Gostam que as coisas fiquem como
estão. Que seja. Afinal, se em seus próprios espaços, que façam deles e neles o
que quiserem. As idiossincrasias não são próprias da velhice, mas nela exacerbam.
Afinal, embora não pareça para jovens e adultos, crianças e velhos não são
massas homogêneas dotadas de comportamentos padronizados. São indivíduos. Não
são como bichos a ponto de serem reduzidos nas categorias de mansos e brabos.
São cultos ou ignorantes, sensíveis ou insensíveis, inteligentes ou medíocres, profundos
ou superficiais, refinados ou toscos, simpáticos ou antipáticos, tolerantes ou
intolerantes, e toda a gama de possibilidades presentes ou ausentes em todos os
humanos, e em qualquer idade.
O
problema de boa parte dos velhos é que nem mesmo eles reconhecem a si como
individualidades, e se diluem no script que para eles está escrito representar.
Perdem a altivez, perdem o respeito por eles mesmos, e passivamente aceitam o
exílio para o qual a sociedade - mercado, parentes - os condena. Tornam-se,
genericamente, os velhos.
Mas
nem tudo foi redução em minha vida. Aprendi com a namorada a apreciar e
valorizar obras de arte. Como por sorte é pintora, e não escultura, as paredes
ganharam uma pequena, mas interessante coleção de quadros. São eles que
enobrecem o ambiente, pois nele o que há para admirar.
A
janela de meu pequeno apartamento no centro velho de São Paulo é o portal por
onde espio o cenário exterior. Observo, mas talvez seja também observado.
Afinal, se o encanto da metrópole é ninguém se meter na vida de ninguém, nada
impede que olhares circulem pelas paisagens próximas e distantes, onde quase
sempre encontram prédios, neles apartamentos, e neles pessoas ocultas. Milhões
de vidas, milhões de existências, e uma legião de velhos morando sós, como eu.
No
último andar de um prédio próximo vive um idoso. Um apartamento velho em um
edifício velho, decadente, mas lá está ele. Todas as manhãs abre a janela,
internamente emoldurada por uma cortina velha, com aparência de não receber
limpeza faz muito tempo, e fica lá por horas olhando para a rua. Cria alguns
pássaros, e pendura as gaiolas perto da janela para que recebam ar, luz e calor. Não raro aproxima uma gaiola do rosto e
assobia para o pássaro, talvez com isso esperando uma resposta.
Ilustração do autor |
Alguns
andares abaixo e reside uma idosa. Magrinha, e quase sempre vestindo as mesmas
roupas, passa horas em sua máquina de costura que está instalada próxima a
janela, certamente aproveitando a luz natural. Parece cantar e talvez esteja
com o rádio ligado. Como eu não abandona o cigarrinho sempre a mão.
Mais
a frente, em outro prédio, mora uma idosa que está sempre com um gato no colo.
Em outro, com sacada, uma idosa cuida de suas plantas. Poda, replanta, rega,
aduba com o carinho de uma zelosa jardineira. Como sei que moram sós? Porque
estão sempre sós. Não parecem aflitos, inseguros ou deprimidos. Ativos, embora
cada qual a seu modo. Há neles uma atitude de independência, de confiança no
comando sobre as próprias vidas.
Talvez
notem minha presença, possivelmente identificado como o velho que fica até de
madrugada a frente de um computador, e que não costuma acordar cedo. Não gosto
de acordar cedo. Nunca gostei, e passei a vida driblando esse incômodo, esse
desconforto. Venci, ao menos em boa parte do tempo.
Não
conheço os velhos que residem no meu prédio. Apenas cruzo com eles no elevador,
nos corredores comuns e no hall da portaria. Cumprimentos cordiais na maioria
das vezes, e troca de gentilezas entre os que preservam hábitos de antigos
padrões de etiqueta. Um morador, entretanto, eu melhor definiria como
emblemático. Negro, alto, esbelto, de cabelos e bigodes brancos, passa o dia sentado
na poltrona órfã que fica ao lado da portaria. Sempre de terno e gravata, de
ombros retos e pernas elegantemente cruzadas, retribui o cumprimento dos que
passam com um suave meneio com a cabeça. Não sei seu nome e nunca trocamos
palavra, mas compartilhamos gestos de uma mesma aristocracia, digamos assim.
Velhos
estão nos pequenos mercados dos quarteirões próximos. Firmes, inteiros, ou com
bengalas, são caracterizados por chegarem com suas sacolas ou carrinhos de
feira. São seletivos nas compras, adquirem muitos vegetais, comparam preços e
são vigilantes com o troco. Essas pessoas e cenas de cotidiano estão por toda parte
do lado pobre do centro velho, na região que se convencionou chamar de
Cracolândia, em virtude da grande concentração de usuários de crack, cocaína
solidificada em cristais, e que consomem dia e noite nas calçadas. Nunca vi
entre eles, apelidados de nóias – adaptação popular do termo paranoia –, nenhum
velho. Droga relativamente recente, e dizem que de efeito tão devastador que
seus usuários não vivem muito. Velhos são conservadores até nisso: preservam vícios
de seu tempo de juventude – álcool e tabaco. Nunca bebi, mas até hoje preservo
os cigarrinhos, e desde a adolescência. Era moda.
Os
moradores dessa região são pessoas de posses limitadas, de onde os hábitos
econômicos nas compras e valorização do troco no comércio. Meus vizinhos são
migrantes, imigrantes, traficantes nacionais e internacionais, contrabandistas
de todas as origens, prostitutas, músicos, artistas plásticos, travestis e
pessoas comuns como eu e os velhos dos quais estou falando. Não há caos, pois
todos convivem tranquilamente, e cada qual cuidando de sua vida e dos
interesses de seus grupos. Os pontos comuns de contatos são os comércios e
serviços locais: mercados, cabeleireiros, armarinhos e bares. Eu diria que se
assemelha a uma mata nativa, quando comparada aos bairros tidos como elegantes,
que mais parecem uma mata reflorestada.
Nunca
fui roubado, assaltado ou agredido. Não me exponho de modo a atrair atenções e
tampouco circulo a noite. Cuidados, porém, que teria até mesmo se morasse nos
Jardins.
Gratificante
aqui a diversidade, a convivência dessa imensa diversidade. Prostitutas velhas,
literalmente velhas, que fazem ponto no Jardim da Luz, estão ao lado de velhas e
respeitáveis senhoras orientais que, voluntariamente, cuidam do jardim que fica
ao fundo da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Em
suma, a velhice acompanha a pessoa nas mais diversas estratificações da vida
econômica e social. Velhos miseráveis, pobres, remediados, ricos e milionários.
Estão
aos domingos na Praça da República ganhando o pão com seus quadros e
artesanatos. A grande maioria artisticamente medíocre, mas alguns poucos
verdadeiros talentos.
Os
mais intelectualizados estão nos sebos à procura de livros raros, e indignados
com os preços exorbitantes depois que livreiros aprenderam a diferenciar livros
usados de livros antigos. Não desconfiam que um dia eles serão os fornecedores
desses mesmos livros, e para esses mesmos livreiros, quando seus corpos saírem
de casa para o cemitérios, e no dia seguinte a biblioteca para os sebos,
oportunidade para algum herdeiro livrar-se das velharias e ainda ganhar alguns
tostões.
Sós
ou em pequenos grupos estão nas praças, mas principalmente nas igrejas,
possivelmente se preparando para o que entendem como passagem. Quase ninguém se
conforma com a ideia de fim, de onde, ocorre-me agora, a fórmula de sucesso das
religiões.
Os
boêmios nas casas noturnas, e os afortunados de bom gosto nos restaurantes
tornados tradicionais pela qualidade de seus pratos e serviços, e abundantes
nas ruas limítrofes entre o centro velho preservado e o degradado. Para os
velhos, e não apenas para eles, os estímulos das variedades contrastantes de
esquina para esquina. Alimentos para a percepção, entendimento, cognição e
afetividade.
O
strogonoff.
Um
luxo para esta agradável tarde de outono, quando a temperatura é amena, e
agradavelmente suportada por um leve e aconchegante agasalho de lã.
Luxo
não apenas por poder comprar os ingredientes e ter disposição e energia para o
preparo, mas pelo prazer de um lento saborear.
Em
muitos velhos foram-se também os dentes, de onde o conformismo com sopas,
sucos, vitaminas, canjas e papas. Para outros tantos os alimentos fazem parte
da caixa dos medicamentos, pois ingerem apenas o que não lhes faz mal ao corpo.
Nesses casos, talvez melhor a ração. Não agrada, mas ao menos não frustra.
Melhor
cozinhar e digerir ideias e sentimentos, uma vez que essas atividades estão isentas
de condicionantes materiais e físicos, e tampouco geram efeitos colaterais. Essa
potência toda - é claro - se o vivente não for acometido por demência senil,
mas possibilidade a ser desconsiderada. Afinal, poderia ter sido acometido por
demência em qualquer momento da vida.
Rogério
Centofanti
São Paulo, maio de 2016